Casa Célio Vieira: Cobertura Verde
EDITE GALOTE CARRANZA
RICARDO CARRANZA
“[...] Quando ele projetou aquela casa na Vila Mariana
ninguém falava da sustentabilidade. Coisa que hoje está na moda.
Eu levei vários grupos de alunos lá, até que a proprietária não deixou mais.
Aquela cobertura com quase 1m de terra… chegou uma época
que a casa parecia uma floresta mesmo!”
Takashi Fukushima
Quando surgiu em 1978, a Casa Célio Vieira destoava da tendência hegemônica da arquitetura paulista nos anos do Milagre Econômico. Isto porque Pitanga do Amparo – formado no seio da Escola Paulista Brutalista e legítimo representante da “Geração AI-5”,de jovens contraculturais que assumiram a ruptura de paradigma em todos os níveis – incorporou ao partido uma nova premissa vinda do cenário internacional: o Ecologismo, que resultou neste remoto exemplar de arquitetura verde.
O lote urbano estreito e comprido determinou a implantação da casa junto a um dos limites laterais e as edificações vizinhas de dois pavimentos, levaram a adoção da solução intimista. A volumetria em forma de cunha, com laje inclinada coberta de vegetação que chega ao chão, é a característica mais marcante do projeto, que visto da rua parece um terreno inclinado. A solução formal determinou o agenciamento de espaços de interiores em quatro níveis que, aliado às paredes que não tocam à laje, favoreceu as visuais entre os ambientes e a distrituição da iluminação zenital. A casa de 220m2 foi executada com restrita palheta de materiais: estrutura de concreto armado aparente, vedos de tijolos cerâmicos tipo bi-queima, instalações aparentes pintadas com cores marcantes e vidro temperado, utilizado em abundância nos caixilhos, duto de lareira, bancadas de pias, cobertura da churrasqueira e, também, nas claraboias de 2.70 x 1.90m, que foram executadas com perfis de aço convencionais e venezianas para ventilação permanente. A cobertura vegetal foi criteriosamente detalhada com calhas periféricas para escoamento das águas pluviais, impermeabilização com mantas asfálticas, camada de quinze centímetros de cinasita para drenagem e uma generosa camada de quarenta centímetros de terra o que permitiu a existência de vegetação arbustiva. A concepção da Casa Célio, com citações às Maisons Jaoul (1951-55), de Le Corbusier, não tem exatamente um “teto-jardim” corbusiano, e sim uma cobertura vegetal que lembra a da Casa Valéria Cirell (1958), de Lina Bo ou as propostas de Biotektur do alemão Rudolph Doernack, que pertence à Escola Biomórfica. Tal concepção, que teria surgido a partir de um sonho hippie, além de conferir expressão à obra, contribuiu favoravelmente ao conforto térmico da casa, comprovado tanto por estudos realizados posteriormente, quanto pelo depoimento do proprietário, que diz que a temperatura interna da casa é sempre agradável e que o jardim “demanda grande trabalho, mas acaba sendo um prazer”.
A Casa Célio Vieira antecipou as discussões sobre sustentabilidade, que chegariam ao Brasil após a redemocratização e que ganhariam fôlego a partir da Eco-92. Embora não atenda plenamente os rigorosos parâmetros técnicos das certificações internacionais atuais, a casa é um importante registro histórico de mudança do pensamento arquitetônico. Hoje, ela se integra perfeitamente à nova paisagem urbana, formada por obras que utilizam vegetação em coberturas ou paramentos verticais, a fim de reduzir a temperatura ambiente, aumentar a unidade relativa do ar e contribuir para a redução dos poluentes e ruído urbano.
PROJETO
Casa Célio Vieira, Vila Mariana, São Paulo, SP, 1975-78.
FICHA TÉCNICA
Projeto: Arq. Pitanga do Amparo
Proprietário: Júlio Vieira
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REFERÊNCIAS
CARRANZA, Edite Galote. Arquitetura alternativa:1956-1979. Tese Doutorado em Arquitetura – FAUUSP, São Paulo, 2012.
CARRANZA, Edite Galote; CARRANZA, Ricardo. Documento Pitanga do Amparo: psicodelismo, ecologismo e suprematismo. Revista AU, v. 234, p. 83-87-87, 2013.
CARVALHO, Isabel C. M. A invenção ecológica: narrativas e trajetórias da educação ambiental no Brasil. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2ª ed. 2002
JENCKS, Charles. Arquitetura 2000. São Paulo: Barcelona: Editorial Blume, 1980.
MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno: arquitetura da segunda metade do século XX. Barcelona: Ed.Gustavo Gilli, 2009.
MARTINS, Luciano. A “geração AI-5 e Maio de 68: duas manifestações intransitivas. Rio de Janeiro: Argumento, 2004.
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QUANDO A CASA EXÓTICA É MAIS RACIONAL. Jornal da Semana, São Paulo, 18 de novembro de 1979. disponível em: www.worldwhitewall.com/shoppingnews79.htm, visitado em 14/07/2012.
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