Caminhografias no Minhocão em São Paulo

Categoria: Ciências sociais aplicadas: Arquitetura Imprimir Email

EVANDRO FIORIN

GUILHERME DO CARMO GOMES DIAS

Resumo:

O objetivo deste trabalho é revelar por meio da prática do caminhar, as potencialidades do Minhocão, no centro da cidade de São Paulo. Queremos demonstrar como este viaduto tem sua função totalmente subvertida, a partir das situações que registramos, caminhando por ele em dias alternados, finais de semana e feriados. Assim, apontaremos para uma diversidade de usos que rompem o sentido da cidade funcionalista, abrindo caminho para outras cidades possíveis, quando está interditado ao tráfego de veículos. Um local onde há espaço para o que não é necessário, para o que é opcional e, fundamentalmente, para a imaginação. A transurbância, descrita pelo arquiteto e urbanista italiano Francesco Careri, ampara o exercício peripatético que realizamos no Minhocão, com base em um projeto de pesquisa, para trazer à luz seus meandros, suas zonas opacas, prenhes de descompassos, alteridades e desafios.

Buscamos entrever uma multiplicidade de usos sobre o Minhocão, para desvelar o viaduto sob um viés estético-experiencial, seja no seu baixio ou, quando liberado para uso peatonal. Como resultados alcançados, construímos relatos dos trajetos por meio de fotografias, os quais podem ser chamados aqui de caminhografias, registros que aludem para seus diferentes usos e apropriações, em um intenso devir. Essa proposição busca, nas experiências do caminhar, maneiras de aguçar a percepção, para repensarmos os espaços públicos pelo signo da mudança, especialmente, em futuros projetos urbanos.

Palavras-chave: São Paulo; Caminhografias; Minhocão.

 

Introdução:

O Elevado Presidente João Goulart está localizado, em grande parte, na região central da cidade de São Paulo e constitui-se como uma extensa via elevada para a circulação de veículos, com cerca de 3,5 quilômetros, construído no final da década de 1960. Foi erguido para ligar o centro à zona Oeste. O sentido rodoviarista de urbanização presente nessa obra, gerou uma série de mudanças em seu entorno imediato, porque, a sua construção não considerou as pré-existências espaciais, gerando demolições, além do aumento da poluição visual, sonora e olfativa, dada sua disposição e pequena distância dos edifícios lindeiros ao longo do seu trajeto. Foi edificado contra a vontade da população local no auge da Ditadura Militar no Brasil e ficou conhecido popularmente como "Minhocão."

Deste modo, uma desvalorização imobiliária foi imediatamente sentida, ocasionando a fuga de parte dos moradores dos prédios vizinhos a essa via elevada. Uma situação que, dentre outras questões, levou a uma deterioração das suas cercanias. Diante desse contexto, muitos que puderam foram embora dali. Os poucos moradores que permaneceram habitando os edifícios, nas décadas seguintes, foram os mais antigos, com vínculos afetivos. Todavia, em paralelo, houve um incremento da locação de apartamentos para jovens, muitos deles estudantes, os quais, foram estimulados a residir por ali, pelo atrativo dos preços muito mais baixos dos aluguéis (MARAFON FRAU; SILVA NETO, 2017).

Há uma vasta bibliografia que discute os principais problemas gerados pela implantação do viaduto na região central da cidade de São Paulo, bem como, as consequências para a desvalorização do local, além das suas formas de resiliência (ASSUNÇÃO, 2016). Entretanto, queremos apontar aqui para a riqueza da mistura de usos proporcionada pela implantação do elevado, bem como, alguns tipos de ocupações ímpares geradas no lugar (BARBOSA; QUEIROZ, 2012). Uma pluralidade que fica mais evidente à luz do dia, quando alguns moradores da região se deparam com pessoas enroladas em cobertores e pedaços de papelão, dormindo sob o baixio do viaduto ou, quando encontram prostitutas na frente dos bares. Existem etnografias que ratificam essas situações, atestando a importância do Minhocão como um espaço de sociabilidade, especialmente, diante da presença da população não desejável, a saber: “michês, frequentadores de casas de exibição de filmes pornôs, população de rua em geral e usuários de crack, refugiados, frequentadores de teatros decadentes e pequenas igrejas neopentecostais de diferentes vertentes” (SILVA; KALIL, et. al., 2017, p. 67).

Assim, com a mudança de perfil do local nas últimas décadas, as discussões acerca da demolição da via elevada também ganharam folego, principalmente, depois do processo de redemocratização. Ao mesmo tempo, a interdição do tráfego de veículos nas pistas de rolagem, nos finais de semana e feriados, durante a década de 1990, potencializou o Minhocão como um grande espaço público, uma área de lazer para muitos paulistanos. Um lugar democrático que possibilita uma série de encontros, usos e apropriações para os que por ali caminham; e, por este motivo, pode ser entendido como um espaço paradigmático. Diante das suas qualidades emblemáticas, é uma estrutura urbana precursora, pois, antecipa o viés plural dos espaços públicos que ainda estão por vir nas cidades contemporâneas (RODRIGUES, 2017).

Exatamente por isso, o Minhocão se torna um local simbólico para estudarmos novos modos de usos e apropriações nas conformações urbanas atuais: mediadas pela surpresa; pelo desvio de conduta; e, pelo que não é planejado. Sendo assim, não propomos aqui uma pesquisa histórica, nem mesmo, um levantamento de campo e análise de dados. De tal sorte, almejamos a ideia da realização de percursos pela cidade, tendo o viaduto como pano de fundo para construir uma modalidade de investigação que traga consigo um sentido experimental e errático, onde o caminhar ganhe todo o protagonismo. Uma pesquisa que incorpora esta prática como uma filosofia da liberdade (GROS, 2010).

Desse modo, o exercício peripatético que propomos aqui está diretamente ligado aos trabalhos de cartografar as cidades que vem sendo desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa de Projeto, Patrimônio, Percepção e Paisagem e, também, a um projeto de pesquisa que busca a compreensão da cidade e os seus devires, com ramificações na Pós-Graduação e na Graduação em Arquitetura e Urbanismo em Universidades Públicas. É resultante da soma das incursões urbanas realizadas na iniciação científica (ARTUSO, 2019), no mestrado (DIAS, 2020) e em apresentações de congressos (FIORIN, 2018) – além da busca por resgatar algo do hábito aristotélico de estudar ao ar livre. Ao mesmo tempo, vai no rumo da brincadeira de criança, de colocar um pé na frente do outro, evitando prognósticos quando se quer ir ao encontro do desconhecido. É uma estratégia que se põe à prova, justamente, para acionar hipóteses que se colocam ao teste, de modo a produzir o conhecimento, que é sempre retroalimentado pela mudança e pela transformação – ao longo do percurso e do próprio caminho (PASSOS; BARROS, 2015).

Assim, esta pesquisa-ação que apresentamos tem como sua motivação construir outras cartografias possíveis sobre os lugares urbanos do Minhocão agregando, então, as contribuições de um aluno da graduação em Arquitetura e Urbanismo integrante do programa de bolsas de iniciação científica, de um estudante de mestrado vinculado ao grupo de pesquisa já mencionado, além do próprio docente responsável que, também, se lançou a campo. Nessa proposição nos apropriamos do caminhar como método estético e científico, descrito como transurbância pelo arquiteto e urbanista italiano Francesco Careri. Uma modalidade de investigação urbana que admite o mergulho total em uma espacialidade. Isso nos permitiu vivenciar efetivamente o espaço, para compreender a diversidade do Minhocão. O caminhar como prática estética nos auxiliou no reconhecimento urbano para trazer à luz os seus meandros, suas zonas opacas, prenhes de descompassos, alteridades e desafios (CARERI, 2013).

A apropriação que fazemos da prática do caminhar na realidade paulistana se desenha mais como uma experiência itinerante de percepção ambiental; tem o caráter empírico, nos baixios e nas pistas de rolagem interditadas do Minhocão. Em outras palavras é um aprendizado sobre o fazer italiano em solo brasileiro, na busca por usos e apropriações diversas na cidade e novos pontos de vista, os quais não sejam estético-geométricos, mas, estético-experienciais, para trazer à tona a vocação nômade dos lugares urbanos, independentemente das imposições outrora traçadas pelo urbanismo modernizador ou, pela atual gestão imperativa do espaço. Um descobrimento que se baliza na experiência sensorial dos lugares, admitindo o inesperado, sempre como aquele que apreende uma área já conhecida da cidade, como se fosse pela primeira vez (FIORIN, 2020).

O exercício peripatético que propomos supõe algumas percepções capazes de desautomatizar o olhar do arquiteto urbanista, conduzindo o caminho para a experiência em si, do ser e estar na cidade. O seu caráter experimental abre um leque de interações para a cognição urbana, seja com o ambiente circundante ou, na possibilidade de intercâmbio com seus usuários. Assim, a fenomenologia nos auxilia em uma leitura espacial das conformações urbanas contemporâneas, revelando, portanto, algumas essências para além das próprias aparências e, independentemente, da distinção entre forma e conteúdo (MERLEAU-PONTY, 1999).

Desse modo, o objetivo deste trabalho é revelar por meio da prática do caminhar, as potencialidades do Minhocão. Demonstar como este vidaduto pode ter sua função totalmente subvertida a partir das situações que registramos, caminhando por entre ele em dias normais, aos finais de semana e, em feriados. Além disso, apontar para uma multiplicidade de usos que rompem o sentido da cidade funcionalista, abrindo caminho para repensarmos futuros projetos urbanos e outras cidades possíveis. Àquelas onde exista espaço para o que não é necessário, para o que é opcional e, fundamentalmente, para a imaginação (PALLASMA, 2018).

Como resultados alcançados, construímos relatos dos trajetos por meio de fotografias captadas por um dispositivo móvel durante os vários percursos realizados entre docente e discentes, em dias e horários distintos, os quais chamamos aqui de caminhografias. São um constructo estético científico, que aponta para as diferentes apropriações do Minhocão, em um intenso devir. Proposição que busca exaltar as experiências vividas pelos pesquisadores, entendidos aqui, também, como os usuários do espaço. Sendo assim, estimula uma frequentação dos locais urbanos para suscitar um olhar mais atento aos lugares da cidade, provocando maneiras de aguçar a percepção na ruptura com os hábitos, através dos encontros inesperados durante a prática do caminhar, de modo a repensarmos os espaços públicos pelo signo da mudança (FERRARA, 2000).

 A Prática do Caminhar:

Desde os antigos nômades, o caminhar tem sido uma forma de reconhecimento do território. O conhecimento associado à peripatética remonta à Grécia antiga, especialmente, aos discípulos de Aristóteles, conhecidos por ensinar sob os portais perípatoi, ao ar livre, ou debaixo das árvores. Também, ao longo do último século, muitos artistas adotaram a deambulação, expedições e a errância, como maneiras de conhecer a cidade e extrair dela significados; mas, também, como forma de criar as suas outras imagens possíveis (JACQUES, 2012).

O caminhar tem sido um tema recorrente entre os arquitetos e urbanistas. A prática de andare a zonzo, do italiano: “vagar sem objetivo”, retomada por Francesco Careri, recupera o sentido do vagabundear do flâneur do século XIX, e as ideias da deriva situacionista de Guy Debord na cidade moderna, para uma investigação das conformações urbanas contemporâneas. Isto porque, o reconhecimento dessas áreas não é tão simples, pois, pelo meio do caminho, nossos pés topam com vazios, zonas desoladas, lugares à mercê do tempo, onde os limites do urbanismo tradicional são, paulatinamente, borrados. Assim, sob essa nova condição espacial, perder-se pode ser uma qualidade para extrair, desse estado de coisas cambiantes, uma percepção do espaço um pouco mais próxima da nossa realidade urbana (CARERI, 2002).

De tal sorte, o chamado urbanismo da deriva foi atualizado pela transurbância. Essa modalidade de investigação das conformações urbanas contemporâneas é realizada por meio do caminhar sem rumo, por suas zonas de transição, espaços residuais e territórios híbridos, para percebê-los em seu devir, sem defini-los (ROMITO, 1995).  Desmentindo toda a imagem urbana decantada como um clichê, esta tática nos pode auxiliar no entendimento urbano, diante das recentes transformações. É uma busca por um sentido de compreensão de uma cidade menos espetacular e mais experimental.

Nesse sentido, as publicações do arquiteto italiano Francesco Careri vêm traçando a gênese da prática do caminhar, apontando as suas possibilidades para novas descobertas e aventuras, para além da cidade que é conhecida por todos nós por meio dos cartões postais. O caminhar como prática estética, tem acontecido em algumas regiões abandonadas, para além da cidade de Roma, na Itália, desde o ano de 1995. O manifesto e o grupo ativista de arquitetos e artistas reunidos nessas ações, recebeu o nome de: “Stalker através dos Territórios Atuais”. Os seus percursos foram relatados por meio de fotografias, vídeos, mapas e um diário de bordo, e se configuram como Norte para os pesquisadores deste tema (CARERI, 1996).

Os Territórios Atuais são descritos por Francesco Careri como: “[...] aquelas áreas esquecidas, que formam o negativo da cidade contemporânea, que contém em si mesmas a dupla essência de refugo e de recurso. Lugares difíceis de serem compreendidos e, consequentemente, de serem projetados” (CARERI, 2017, p. 15). Enquanto, o termo Stalker, foi o nome escolhido para representar o coletivo que sai para caminhar rumo ao desconhecido, para além dos confins urbanos, à procura do encontro com o “Outro”; além disso, essa denominação também alude a um filme, de mesmo nome, produzido em 1979, pelo cineasta russo Andrei Tarkóvski.

Na sua experiência, Francesco Careri explicita o caminhar como instrumento cognitivo e projetual, que faz reconhecer as novas dinâmicas ocultas, presentes nas conformações urbanas contemporâneas. Assim, busca torná-las visíveis, pelos passos de quem caminha e para as futuras intervenções urbanas. Para o arquiteto e urbanista italiano, errar deve ser considerado um valor e não um erro. Por conta disso, a sua proposta pretende indicar a prática da errância, como uma experiência capaz de apreender e compreender os significados de uma nova realidade urbana que se descortina; contrariando a ideia corrente, na América Latina, onde a prática do “caminhar significa enfrentar muitos medos” (CARERI, 2013, p. 170).

No ano de 2016, Franceso Careri esteve na cidade de São Paulo conduzindo um percurso com alunos de um curso de arquitetura e urbanismo, através do bairro do Bixiga, na região central. Com cerca de 40 caminhantes, o trajeto percorreu o centro de São Paulo, tendo a chance de se confrontar com estranhos. Nesses percursos, o encontro com o “Outro” revelou oportunidades de entrever o sentido do lugar mediante as subjetividades que o habitam, transformando a travessia em um curso sobre a cidade atual. Houve a estratégia de não seguir à risca um caminho, perambulando a esmo, perdendo tempo para ganhar espaço, ou seja, de modo a evidenciar o caráter experimental da descoberta, em sua potência de deslocamento, de desorientação e de performance (PEREIRA, 2016).

Logo, o que essa proposta incorpora é uma constelação de afetos, por meio dos encontros na cidade e das diferentes maneiras dos participantes serem tocados por um trajeto, podendo produzir uma multiplicidade de significados urbanos. Estes não dizem respeito apenas à paisagem, mas, sobretudo, à percepção que se faz dela, nas transformações que causam dentro de cada um – um emaranhado de fatos não calculados e ocorrências únicas, provocando mudanças de sentido e, uma outra forma de entendimento sobre a cultura do espaço, num intenso devir. Há, assim, uma simultaneidade subjacente em todo o processo de reconhecimento urbano que se faz pela prática do caminhar. “Confunde-se com seu objeto quando o próprio objeto é movimento” (DELEUZE, 1997).

Entendemos, que a prática do caminhar faz com que o trajeto adquira suas linhas erráticas, ativando a subjetividade daqueles que atravessam e são atravessados pelo percurso. A travessia produz a informação urbana e, a partir dela, se traduzem novas significações por meio dos relatos. No que tange o trabalho do arquiteto urbanista, estes podem advir de diversas linguagens, tais como: fotografias, desenhos rápidos, croquis; ou, ainda, serem transformados em vídeos, mapas ou texto. Entretanto, nos parece que o resultado em si, pouco importa para Francesco Careri. A partir de uma conversa informal com o professor, em janeiro de 2020, na Università Degli Studi Roma Tre, ficou claro que sua preocupação é fazer conhecer, sobretudo, aos estudantes, mas, também, aos cidadãos, as realidades estranhas às rotinas cotidianas.

Em São Paulo não é preciso ir muito longe para encontrar os espaços residuais, as áreas abandonadas, os baixios de viaduto e as realidades dos excluídos; basta ir ao encontro da cidade real e refutar suas imagens estetizadas. A pobreza não está apenas na periferia, mas, está espalhada por todos os lugares da cidade (RIZEK, 2012). Os exercícios peripatéticos que realizamos no centro da cidade de São Paulo tem como pano de fundo o Minhocão, por ser uma área cheia de contradições. É uma pista de rolagem durante o dia e um abrigo para os moradores em situação de rua de noite. Tem caraterísticas peculiares aos finais de semana e feriados, por ser um espaço público não institucionalizado. Assim, é o nosso estudo de caso para trazer à tona os modos de uso e apropriação que rompem os hábitos, revelando estranhamentos nas conformações urbanas atuais, em uma modalidade de investigação baseada na prática do caminhar.

Em nossos quatro trajetos produzimos relatos por meio de fotografias. O instrumental utilizado é um dispositivo móvel, do tipo smartphone, por ser mais fácil de carregar, ágil ao sacar do bolso e não chamar atenção. Alguns percursos foram realizados juntos, mas, também, separadamente, em dias e horários alternados e diversos. Os resultados das vivências configuram o que chamamos aqui de caminhografias. Eles são uma maneira de representar graficamente os trajetos, territórios e suas traduções. Fotomontagens dos usos e das diversas apropriações, que são muito carregadas de sentimentos e significados. Constroem formas de percepção urbana, mas, também, são uma espécie de antecipação projetual. Uma estratégia que pode servir para a produção de informação urbana, que vise à realização de projetos urbanos mais hábeis em incluir o que não é institucionalizado na cidade, compreendendo ambiências plurais e indo ao encontro daqueles diferentes sujeitos e subjetividades que não fazem parte do status quo.

 Trajetos, Territórios e suas Traduções:

Para os governantes da época, a construção do antigo Elevado Presidente Costa e Silva, em 1968, foi uma espécie de símbolo do que eles chamavam de “Revolução de 1964”. A obra se completou em 14 meses. Foi inaugurada em 1971, com quase 3,5 quilômetros de extensão, da Praça Roosevelt ao Largo Padre Péricles, incrustrada na região central de São Paulo. Mede 5 metros de altura e tem 16,70 metros de largura na pista de rolagem. A sua execução apenas foi possível, mediante a demolição de 88 imóveis, ignorando, em grande medida, a cidade pré-existente. O intenso fluxo de veículos agravou a poluição visual, sonora e auditiva do lugar, expulsando grande parte das pessoas que viviam nessa região, em nome do progresso, da política desenvolvimentista e do regime antidemocrático.

Esse descompasso das imposições do urbanismo rodoviarista, frente aos desejos da população que habitava o local, acarretou um esmaecimento das moradias familiares mais tradicionais. Uma situação que colaborou para o aumento dos usos marginais e uma sensação de insegurança sistêmica nas áreas próximas ao viaduto. Nas décadas seguintes passou a ser comum a permanência de um maior número de usuários de entorpecentes na região, bem como, a presença de prostituição e de moradores em situação de rua, os quais se abrigavam sob a cobertura do Minhocão (SILVA; KALIL, et. al., 2017).

Por outro lado, a sua espacialidade, composta por uma série de vazios à espera de algo novo, foi despertando, com o passar do tempo, a ideia de um território comum; um lugar a ser explorado, a ser reconhecido, capaz de impelir o interesse dos mais distintos grupos em manifestar seu “compromisso” social, proporcionando a coexistência de parcelas muito heterogêneas de habitantes no centro da cidade de São Paulo.

Apesar das propostas do passado para sua demolição, mais recentemente, um novo olhar tem sido lançado para o Minhocão, compreendido como espaço alternativo, sempre prenhe de possibilidades. Pululam ideias criativas para o viaduto, pensadas por diversas equipes de arquitetos urbanistas, entidades de classe e, também, a administração municipal (FELDMAN, 2009). Mesmo assim, há quem segue defendendo sua demolição; mas, também, os que suscitam a sua conversão em parque elevado, diante da livre assimilação de exemplos internacionais.

O que não significa que concordamos com a institucionalização do seu uso restrito para os pedestres, mesmo porque, não existe uma alternativa lançada para resolver o fluxo de veículos no sentido Leste-Oeste da capital paulista. O que existe é um meio termo: da Praça Roosevelt até o Largo do Arouche o viaduto se transformaria em parque; e, daí por diante, no sentido zona Oeste, em avenida elevada – o que não resolve o seu problema, porque o Minhocão nunca será o nosso “Parque High Line” (SANTORO; ROLNIK, 2019).

Ao contrário do exemplo de Nova Iorque, o Minhocão não está situado numa porção gentrificada da cidade, cuja intervenção castra os usos espontâneos. No The New York City High Line Park, Diller Scofidio + Renfro (2003), não se pode andar de bicicleta, passear com o seu cachorro, ou fazer um churrasco ao ar livre, como acontece quando o Minhocão está interditado. E, até agora, não existe a institucionalização da sua ocupação, apesar da existência do projeto do Parque Minhocão, de Jaime Lerner (2019). Se ele for realizado, poderá levar à restrição dos usos, controle e mudança dos grupos sociais ali existentes.

Nesse ínterim, o Minhocão continua a ser lócus da diferença. Nele, o “Outro” vem ao nosso encontro. E nós, vamos ao encontro do Minhocão, nessa experiência de aprendizagem da transurbância. Saímos da Praça Roosevelt e percorremos uma parte do Bairro de Santa Cecília; depois partimos do Largo do Arouche; da Estação do Metrô Marechal Deodoro; e do cruzamento da Rua Helvétia, com a Avenida São João, respectivamente.

Figura 1 – Exercícios Peripatéticos no Minhocão, no centro da cidade de São Paulo. Trajeto (1) Praça Roosevelt; percurso feito na parte inferior do viaduto, pela Rua Amaral Gurgel e Bairro Santa Cecília.  Trajeto (2) Largo do Arouche; percurso realizado em cima do elevado. Trajeto (3) Estação do Metrô Marechal Deodoro; uma caminhada, partindo da alça de acesso ao viaduto. Trajeto (4) Avenida São João no cruzamento com a Rua Helvétia; caminhada sobre o elevado.  Fonte: Autores (2020).Figura 1 – Exercícios Peripatéticos no Minhocão, no centro da cidade de São Paulo. Trajeto (1) Praça Roosevelt; percurso feito na parte inferior do viaduto, pela Rua Amaral Gurgel e Bairro Santa Cecília. Trajeto (2) Largo do Arouche; percurso realizado em cima do elevado. Trajeto (3) Estação do Metrô Marechal Deodoro; uma caminhada, partindo da alça de acesso ao viaduto. Trajeto (4) Avenida São João no cruzamento com a Rua Helvétia; caminhada sobre o elevado. Fonte: Autores (2020).

Nessa medida, a realização do exercício peripatético sobre o Minhocão aconteceu durante seus períodos de interdição. Em contraponto, quando caminhamos por debaixo do viaduto esta condição não se fazia mais necessária. Assim, para realizar a primeira incursão ao seu baixio, partimos da Praça Roosevelt, sem direção definida, no Bairro Santa Cecília; fomos em dupla, professor orientador e aluno de iniciação científica, munidos de um dispositivo portátil para fazer fotos. O mais interessante da tática fotográfica é o fato de que, o fotógrafo de rua, simplesmente, tem como o seu compromisso: vagar por aí, sem ter nada especial em sua mente para fotografar (GIBSON, 2016).

Quando se caminha por debaixo do viaduto, somos tomados de assalto pelas inscrições, pichações e grafites nas colunas. Eles têm uma linguagem muito própria, na representação das transformações urbanas mais fugidias e nas sensibilidades culturais do nosso tempo (SILVA, 2014). Em meio às manifestações artísticas, surgem posições políticas, poesias que retratam dramas existenciais e a condição de subjeção dos moradores em situação de rua que vivem à mercê da sorte. Um desafio que sempre se coloca para todos que caminham, diante dessa situação degradante da vida humana, é o de evitar a miopia psicastênica (OLALQUIAGA, 1998).

 Figura 2 – Fotomontagem do Trajeto (1) Praça Roosevelt. A imagem é composta por uma sobreposição de fragmentos extraídos do percurso que fizemos embaixo do Minhocão. Inscrições, pichações e grafites, manifestações artísticas, posições políticas, transgressoras que caracterizam as territorialidades das subjetividades subalternas no baixio do viaduto.  Fonte: Autores (2020).Figura 2 – Fotomontagem do Trajeto (1) Praça Roosevelt. A imagem é composta por uma sobreposição de fragmentos extraídos do percurso que fizemos embaixo do Minhocão. Inscrições, pichações e grafites, manifestações artísticas, posições políticas, transgressoras que caracterizam as territorialidades das subjetividades subalternas no baixio do viaduto.  Fonte: Autores (2020).

Nesse sentido, refutamos qualquer atitude blasé e nos munimos do “olhar estrangeiro”, que se afirma pelo estranhamento (SIMMEL, 1923). Capturamos fotografias do baixio, evitando os seus aspectos técnicos. As imagens preparadas e os retratos de pessoas que posam, não são tão relevantes para a cognição urbana, como as imagens disparadas aleatoriamente, pelas câmeras dos nossos celulares. Estes são equipamentos mais fáceis de transportar e, também, chamam menos a atenção; afinal, não cogitamos produzir imagens dos moradores em situação de rua, mas, construir laços de afinidade nesse lugar dos excluídos, já que, a nossa simples presença no local chega a ser uma intrusão. O diálogo com as subjetividades subalternas é, por vezes, difícil, sendo necessário uma aproximação mais rotineira, inclusive, com crivo de respectivos comitês de ética – o que não tínhamos. Contudo, quando caminhamos, também vamos em busca do nosso devir-outro (FOUCAULT, 1984).

Em outra oportunidade, lançamo-nos sozinhos e, nos embrenhamos pelos meandros do Minhocão, para a realização de percursos em cima do viaduto, a partir do Largo do Arouche, mas sem qualquer destinação pré-determinada. Assim, nos misturamos aos frequentadores, quando da sua interdição para o tráfego de veículos. Naquele sábado ensolarado, fomos surpreendidos por moradores do lugar, que puxavam conversa conosco, e com outros usuários que vinham de outras partes da cidade. As senhoras idosas, sentadas na sarjeta e os familiares que caminhavam, também interagiam. Ao mesmo tempo, a velocidade dos ciclistas e dos cães que corriam sem a coleira, a agilidade da menina pulando amarelinha e dos garotos com seus skates acelerados, impediam qualquer forma de diálogo. Na caminhada que realizamos, mais importante do que as fotografias, como uma forma de relato, eram as nossas experiências: os encontros, inesperados e fugazes, e a construção de uma constelação de afetos, que revelavam o vir a ser do lugar, cheio de idas e vindas, acionando um pensamento sempre nômade (DELEUZE; GUATTARI, 1997). 

 Figura 3 – Fotomontagem do Trajeto (2) Largo do Arouche. A imagem é composta por uma sobreposição de fragmentos extraídos do percurso que fizemos em cima do Minhocão, em um sábado. A mureta que separa as duas pistas do viaduto, interditado ao tráfego de veículos, passa a ser um extenso banco; uma senhora senta para ler, famílias passeiam, ciclistas praticam exercícios e os cachorros ficam sem coleira. A criançada pula e brinca sem parar e o asfalto, espontaneamente, vira um parque: amarelinha, skate e outras traquinagens.  Fonte: Autores (2020).Figura 3 – Fotomontagem do Trajeto (2) Largo do Arouche. A imagem é composta por uma sobreposição de fragmentos extraídos do percurso que fizemos em cima do Minhocão, em um sábado. A mureta que separa as duas pistas do viaduto, interditado ao tráfego de veículos, passa a ser um extenso banco; uma senhora senta para ler, famílias passeiam, ciclistas praticam exercícios e os cachorros ficam sem coleira. A criançada pula e brinca sem parar e o asfalto, espontaneamente, vira um parque: amarelinha, skate e outras traquinagens.  Fonte: Autores (2020). 

Uma outra vez, a nossa travessia se deu em um domingo. Chegamos pela Estação do Metrô Marechal Deodoro, subimos pela alça de acesso rumo ao centro da cidade. No entanto, a linearidade do percurso sempre desviou nossa atenção, por conta da atmosfera inesperada. Misturados às pessoas fomos transformados em atores sociais. Perambulávamos, lado a lado, aos vendedores ambulantes, que nos abordavam para tentar vender pequenos objetos e alimentos, ao longo de toda a via. Moradores nos convidavam, de uma maneira jocosa, para participarmos de um churrasco em pleno asfalto. Assim, como um grande quintal publicizado, ladeado por edifícios decadentes e por belíssimos exemplares históricos, o Minhocão foi se revelando cheio de novos significados urbanos, em um jogo relacional de significações (FERRARA, 2000, p 119).

Figura 4 – Fotomontagem do Trajeto (3) Estação do Metrô Marechal Deodoro. A imagem é composta por uma sobreposição de fragmentos extraídos do percurso que fizemos em cima do Minhocão, em um domingo. Os novos modos de uso e apropriação do espaço. O desejo das pessoas em conquistar esse território. Os edifícios históricos emprestam suas empenas para configurar um grande quintal publicizado. Um ambiente de reconquista democrática, em que jovens desfrutam de uma tarde fazendo um churrasco, enquanto um ambulante vende água de coco aos que por ali transitam.  Fonte: Autores (2020).Figura 4 – Fotomontagem do Trajeto (3) Estação do Metrô Marechal Deodoro. A imagem é composta por uma sobreposição de fragmentos extraídos do percurso que fizemos em cima do Minhocão, em um domingo. Os novos modos de uso e apropriação do espaço. O desejo das pessoas em conquistar esse território. Os edifícios históricos emprestam suas empenas para configurar um grande quintal publicizado. Um ambiente de reconquista democrática, em que jovens desfrutam de uma tarde fazendo um churrasco, enquanto um ambulante vende água de coco aos que por ali transitam.  Fonte: Autores (2020).

No último exercício peripatético, em um feriado, subimos na pista do Minhocão, pelo cruzamento da Rua Helvétia com a Avenida São João. Nas proximidades, assistimos a uma encenação mambembe e, também, fizemos parte de uma performance, que incentivava todos a pararem para rabiscar de giz a pista do viaduto. Esses desenhos dos “Outros” não são como os croquis dos arquitetos; mormente, revelam, os imaginários ocultos do território; também, traduzem alguns sentimentos das pessoas; são representações para conhecermos mais profundamente o ambiente que nos circunda e, em uma última instância, nós mesmos (JENNY, 2014). Na travessia, esses rabiscos são uma espécie de representação involuntária da nossa viagem. Evidenciam a imprevisibilidade do que encontramos pelo caminho e conformam uma linguagem própria. É dessa perspectiva que a cidade pode ser lida como organismo vivo; ou seja, quando experimentamos os lugares enquanto espaços de criação – o sentido do novo espaço público (INNERARITY, 2006). 

 Figura 5 - Fotomontagem do Trajeto (4) Avenida São João no cruzamento com a Rua Helvétia. A imagem é composta por uma sobreposição de fragmentos extraídos do percurso que fizemos em cima do Minhocão, em um feriado. O viaduto se transforma em um teatro, com a encenação mambembe. Enquanto a janela do edifício vira uma boca de cena, o asfalto é uma mistura de palco, cenário e plateia. Uma performance incentiva todos que passam a rabiscarem de giz a pista do viaduto Fonte: Autores (2020).Figura 5 - Fotomontagem do Trajeto (4) Avenida São João no cruzamento com a Rua Helvétia. A imagem é composta por uma sobreposição de fragmentos extraídos do percurso que fizemos em cima do Minhocão, em um feriado. O viaduto se transforma em um teatro, com a encenação mambembe. Enquanto a janela do edifício vira uma boca de cena, o asfalto é uma mistura de palco, cenário e plateia. Uma performance incentiva todos que passam a rabiscarem de giz a pista do viaduto Fonte: Autores (2020).

Portanto, quando pudemos vivenciar o espaço em uma indissociabilidade, pesquisador-objeto a ser pesquisado, passamos a fazer parte dele. Este espaço existencial, conforme escreveu Pallasma (2018, p. 23), “[...] possui uma característica única, interpretada por meio da memória e da experiência do sujeito. Cada experiência vivida se dá na interface da lembrança e da intenção, percepção e fantasia, memória e desejo. ”

É deste modo, que a prática do caminhar possibilita ao arquiteto urbanista ver a cidade por meio de experiências autênticas, as quais despertam o olhar para as dissonâncias existentes e, em especial, no caso do Minhocão, para surpresas urbanas, fantasias e desejos humanos. Por outro lado, possibilita instigar a imaginação, para questionarmos se, é possível, suscitar maior participação coletiva em um processo de concepção projetual, no nosso desenho urbano atual. Uma reflexão que não pretendemos discutir aqui, mas, que pudemos entrever, nas vivências que tivemos no viaduto.

Os resultados dessas experiências de reconhecimento urbano não podem ser lidos como conclusivos, mas, como um processo de aprendizagem sobre o lugar, construído pelo trajeto e sobre um território. Dito de outra forma, se toda a tradução é sempre um outro, qualquer relato produzido no movimento desse modus operandi do deslocamento, não pode ser capaz de representar o original. Sendo assim, toda tradução, do trajeto, sobre o território, subtende um olhar reflexivo e, por isso, também contém um componente criativo que é fruto da imaginação. Preserva um parentesco, produz o estranhamento, traduz o intraduzível, e vai em busca do eco para fazer sempre nascer o novo em diferentes aspectos (BENJAMIN, 1921).

    Figura 6 – Fotomontagem dos quatro trajetos pelo Minhocão. Ainda que o funcionalismo urbano tente impor um ritmo ao espaço-tempo, determinando a finalidade de cada coisa, a multiplicidade sociocultural faz com que a forma de viver a cidade seja muito distinta entre cada sujeito ou subjetividade; logo, este cartograma construído por fragmentos dos relatos do Minhocão tenta demonstrar a capacidade desta estrutura urbana em desdobrar-se, de acordo com as necessidades de cada indivíduo ou grupo, admitindo uma coexistência pela diferença. Fonte: Autores (2020).  Figura 6 – Fotomontagem dos quatro trajetos pelo Minhocão. Ainda que o funcionalismo urbano tente impor um ritmo ao espaço-tempo, determinando a finalidade de cada coisa, a multiplicidade sociocultural faz com que a forma de viver a cidade seja muito distinta entre cada sujeito ou subjetividade; logo, este cartograma construído por fragmentos dos relatos do Minhocão tenta demonstrar a capacidade desta estrutura urbana em desdobrar-se, de acordo com as necessidades de cada indivíduo ou grupo, admitindo uma coexistência pela diferença. Fonte: Autores (2020).

Por meio dos exercícios peripatéticos é possível evidenciar uma multiplicidade de usos, distribuídos a partir do Minhocão. Apontam atrativos, que mantém a cidade sempre viva, nos conduzindo para experimentarmos novas sensibilidades estéticas, independentemente de serem elas feias ou bonitas. Assim, a prática do caminhar, enquanto método científico da subjetividade, tende a incorporar visões da fenomenologia, mas, também, conceitos advindos da antropologia, da filosofia, da sociologia e da semiótica. Assim, esse olhar transversal, baseado na experiência da cidade, possibilita atritar o espaço para conduzir-nos aos seus ecos experienciais, despertando os sentidos para uma outra mirada sobre uma realidade cheia de contrassensos. É um processo de produção de informação urbana, que segue os passos de quem caminha e, por isso, tende a ser muito mais sensível e humano. Nesse sentido, as caminhografias aqui produzidas supõem a postura de um arquiteto urbanista com um pensamento nômade, que vive a cidade em suas contradições e descaminhos, sempre em um intenso devir.

Algumas Considerações:

O objetivo deste artigo foi revelar, por meio da experiência do caminhar, as potencialidades do Minhocão, no centro da cidade de São Paulo. Como resultados alcançados construímos relatos dos trajetos por meio de fotografias, os quais chamamos aqui de caminhografias – registros que aludem para os seus usos e diferentes apropriações, em um intenso devir. Eles apontaram para lugares onde se misturam inscrições; grafites; ocupações de moradores em situação de rua e outros usos marginais; pessoas sentadas ou se exercitando; ciclistas; animais domésticos; crianças brincando; ambulantes; moradores fazendo um churrasco; teatro; performance e arte.

Essa proposição buscou, nas vivências pelo Minhocão, algumas maneiras de aguçar a percepção, para repensarmos os espaços públicos na cidade contemporânea pelo signo da mudança. O matiz político nas inscrições, grafites e pichações das colunas do Minhocão e o sentido performático nos riscos de giz pelo asfalto evidenciam uma outra postura da população frente aos lugares urbanos; longe da ideia de um urbanismo modernizador, mas, também, distante da atual gestão imperativa. Do baixio como abrigo dos sem-teto, ao grande quintal publicizado, haverá resistência dos usuários do Minhocão em aceitar qualquer imposição projetual para o local. Talvez, por conta disso, mais recentemente estão propondo um projeto para a realização de um plebiscito para decidir o que fazer com ele, buscando dar legitimidade para uma decisão que cogita demoli-lo, transformá-lo em um parque ou, até mesmo, deixá-lo como está.

Os relatos colhidos nesta investigação ainda dizem pouco sobre as nuances democráticas que esse viaduto pode adquirir, a despeito das agruras de uma era antidemocrática que o instituiu. Até aqui, o que sabemos do Minhocão, é o fato de ser um espaço cheio de nomadismos, porque, não há programa ou funções definidas, enquanto está fechado para o trânsito de veículos ou, quando serve de moradia temporária para os moradores em situação de rua. Além disso, é um lugar de invenção na cidade, onde as práticas sociais ganham contornos indefinidos: uma urbanidade transgressora. É essa ideia que pode alimentar uma energia imaginativa em futuros projetos urbanos, nos quais, um intenso devir, seja uma condição sinequanon. E, desse desafio de radical experimentação, talvez, possa surgir uma grande surpresa.

 

Referências:

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Minicurrículos

Evandro Fiorin

Arquiteto e Urbanista – UNESP (1998). Doutor em Arquitetura e Urbanismo – FAU-USP (2009). Estágio de Pós-Doutorado na Faculdade de Arquitetura do Porto (2015). Professor Adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina e dos Programas de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UNESP e UFSC (2018).

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Guilherme do Carmo Gomes Dias

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Arquiteto e Urbanista – UNESP (2010), pós-graduado em Habitação e Cidade pela Escola da Cidade (2012) e Mestre pela Escola de Arquitetura da Universidad Politécnica de Valencia na Espanha (2020).

 

Como citar:

FIORIN, Evandro; DIAS, Guilherme do Carmo Gomes. Caminhografias no Minhocão em São Paulo 5% Arquitetura + Arte, São Paulo, ano 15, v. 01, n.20, e137, p. 1-21, jul./dez./2020. Disponível em: http://revista5.arquitetonica.com/index.php/component/search/?searchword=alquimista&searchphrase=all&Itemid=101

 

Submetido em: 2020-04-17

Aprovado em: 2020-10-19

 

 

 

 

 

 

 

 

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