Uma metodologia de pesquisa em projeto de arquitetura a partir de arquivos digitalizados da biblioteca da FAUUSP
ANA TAGLIARI
RESUMO
Entre os anos de 2009 e 2012 foi realizada a pesquisa de Doutorado “Os projetos residenciais não construídos de Vilanova Artigas em São Paulo” na FAUUSP, com apoio do CNPq, a partir do Acervo Digital da Biblioteca da FAUUSP. Este acervo foi fundamental para o desenvolvimento desta pesquisa. Neste texto apresentamos a metodologia da pesquisa, explicitando os critérios de seleção dos projetos analisados, assim como os procedimentos para organização do material.
Inicialmente houve a necessidade de se realizar um levantamento de toda a obra residencial de Artigas presente no Acervo Digital da Biblioteca da FAUUSP. Lá foi identificado um total de 262 projetos residenciais, desde residências unifamiliares até edifícios de habitação coletiva. A partir deste universo, houve uma seleção criteriosa, que excluiu os projetos construídos, demolidos, e os projetos de edifícios de habitação coletiva, restando assim um conjunto de 50 projetos de residências unifamiliares não construídas. O material foi organizado de modo cronológico sendo o primeiro projeto disponível no acervo digital datado de 1941 e o último projeto é de 1981. Houve a realização do redesenho e a construção de maquetes físicas para que a análise e discussão dos projetos pudessem ser desenvolvidas de modo adequado dentro dos objetivos da pesquisa.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos houve um crescente interesse dos estudiosos europeus e norte-americanos em resgatar, discutir e estudar projetos de arquitetura que nunca foram construídos, existentes apenas nos arquivos, em plantas, perspectivas, assim como no imaginário dos arquitetos. Estes projetos não construídos, idealizados por arquitetos, parecem ter despertado o interesse dos pesquisadores que reconheceram que importantes ideias, lançadas há anos, podem fazer a diferença no conhecimento da arquitetura no presente e no futuro. A pesquisa de Doutorado “Os projetos residenciais não construídos de Vilanova Artigas em São Paulo” foi realizada na FAUUSP enquanto esta abordagem ainda permanecia inédita em pesquisas acadêmicas no Brasil.
João Batista Vilanova Artigas (1915-1985) foi um dos mais importantes e influentes arquitetos brasileiros do século XX. Seu legado inclui não apenas obras de arquitetura, mas também escritos, ensinamentos, participação ativa no reconhecimento da profissão de Arquiteto, que repercutiram sobre toda uma geração de arquitetos. Arquiteto, pensador, professor, ideólogo e intelectual, Artigas deixou projetos e obras importantes, que abriram novos horizontes, renovando conceitos ainda arraigados a um passado colonial e provinciano de São Paulo.
Durante os cinquenta anos de vida profissional, Vilanova Artigas concebeu projetos para diferentes finalidades, entre público e privado, como residências, clubes, escolas entre outros. O arquiteto projetou mais de 200 edifícios residenciais durante sua carreira, sendo que aproximadamente 25% deste total, são projetos não edificados. Apesar desta grande quantidade de projetos residenciais, notamos que não há um estudo sistemático sobre este conjunto.
A Biblioteca da FAUUSP possui grande parte do acervo de projetos do arquiteto Vilanova Artigas. Segundo a responsável pelos arquivos em 2009, a Sra. Neusa Kazue Habe, apenas uma parcela dos desenhos de cada projeto foi digitalizado, sob a coordenação da Professora Doutora Marlene Yurgel, devido ao grande número de pranchas e desenhos existentes no Arquivo da Biblioteca da FAUUSP.
Esta digitalização permitiu que pesquisas pudessem ser realizadas a partir da consulta deste material pelos pesquisadores, que antes não tinham acesso e conhecimento destes projetos.
Na pesquisa realizada, os arquivos digitalizados foram fundamentais para o desenvolvimento e conclusões da tese. O objeto desta pesquisa são os projetos residenciais não construídos de Artigas no Estado de São Paulo entre os anos de 1941 a 1981, pertencentes ao Acervo Digital da Biblioteca da FAUUSP. Além da análise individual e relação com o conjunto, também foi objetivo organizar, registrar e sistematizar os desenhos do conjunto dos projetos das residências não construídas do arquiteto Vilanova Artigas e construir as maquetes físicas, que permitiram o estudo tridimensionalidade dos espaços internos destes projetos.
A metodologia adotada, as estratégias e os procedimentos de pesquisa se baseiam na análise de projeto por meio de desenhos (análise gráfica) e de modelos físicos tridimensionais.
A presente análise é focada na proposta arquitetônica revelada pelos desenhos. A intenção foi realizar uma leitura de sua obra, incluindo os projetos não construídos, por meio dos desenhos e maquetes, no sentido de verificar as soluções, arranjos, proposições e partidos adotados. Portanto, novos conhecimentos são extraídos e revelados a partir destes desenhos do Acervo Digital da Biblioteca da FAUUSP.
Os projetos selecionados foram redesenhados, o que já se apresenta como uma etapa da análise, ao passo que a elaboração das maquetes físicas constituiu uma etapa fundamental no processo de investigação e interpretação dos espaços e formas destes projetos. Foram realizadas visitas e fotos das residências construídas, que permitiram estabelecer relações entre os projetos não construídos com soluções adotadas em obras executadas. Estas etapas foram desenvolvidas simultaneamente, numa análise constante sobre os projetos.
A contribuição original desta pesquisa reside no objeto, o conjunto de projetos residenciais não construídos no Estado de São Paulo, no método, utilizando desenhos e maquetes físicas para análise, e no objetivo, na análise do conjunto dos projetos residenciais não construídos de Vilanova Artigas em São Paulo. Como não havia um estudo sistemático deste conjunto de 39 projetos aqui analisados, a relevância científica reside no preenchimento desta lacuna do que diz respeito ao estudo da obra de Vilanova Artigas.
A realização desta pesquisa se justificou devido à organização, o registro, a sistematização, análise dos desenhos (plantas, cortes e elevações) e criação de maquetes físicas, do conjunto dos projetos residenciais não construídos do arquiteto Vilanova Artigas. A análise e avaliação deste conjunto, considerando-os como parte importante, porém ainda não explorada no Brasil, do conjunto de sua obra, busca estabelecer roteiros paralelos e interpretativos do desenvolvimento e consolidação da linguagem do arquiteto.
A pesquisa se justifica, portanto, pela relevância, quantidade e qualidade dos projetos estudados nesta investigação, a partir do Acervo digital da Biblioteca da FAUUSP.
OBJETO DE ESTUDO
O critério de seleção do objeto de estudo se pautou pelo recorte de projetos de residências não construídas, projetados por Vilanova Artigas, disponíveis no acervo digital da Biblioteca da FAUUSP. Destacamos também que muitos projetos foram realizados em co-autoria com Carlos Cascaldi.
Destes projetos selecionados inicialmente, houve uma nova triagem, onde foram eliminados os projetos fora do Estado de São Paulo, projetos sem informações suficientes para análise, projetos sem data e local, restando para análise 39 projetos não construídos, desde 1941 até 1981. Assim, o critério de seleção se pautou pelo recorte de projetos de residências não-construídas, dentro do Estado de São Paulo, projetados por Vilanova Artigas, disponíveis no acervo digital da Biblioteca da FAUUSP.
Mais adiante listamos os projetos, endereço e ano dos projetos selecionados para análise.
Apenas uma parcela dos desenhos de cada projeto foi digitalizada, devido ao grande número de pranchas e desenhos existentes no Arquivo da Biblioteca da FAUUSP. Os desenhos originais não foram disponibilizados para consulta. Entretanto, os arquivos disponíveis no Acervo Digital da Biblioteca da FAUUSP possuem informações suficientes para o entendimento do projeto de modo geral, como plantas, cortes, elevações, perspectivas e croquis de estudo, até mesmo planta de prefeitura e, em alguns poucos casos, detalhes construtivos.
Informações sobre estrutura e materiais são escassas na maioria dos casos, sendo que a compreensão dos projetos em sua maioria se restringe a questões espaciais e formais.
Alguns projetos não construídos não foram selecionados nesta pesquisa por não apresentarem informações suficientes para a análise, como a Residência Francisco Ribeiro (sem data e local), Res. Leão Machado (1948, sem informações gráficas suficientes) e a Res. Fernando Horta (1973, não disponível no acervo da Biblioteca da FAUUSP).
Houve a necessidade de se delimitar um recorte geográfico do objeto da pesquisa. Assim, os projetos das residências Coralo Bernarde (Curitiba, 1945), Antonio Fonseca Castello Branco (Barra do Piraí, RJ, 1952), Renato Faucz (Curitiba, 1975), João Beline Burza (Ouro Fino, MG, 1979) e Governador de Goiás (Goiás, 1961), apesar de não construídos e presentes no acervo da FAUUSP, não fazem parte desta análise, pois como foi definido pelo recorte da pesquisa, foram projetadas em cidades fora do Estado de São Paulo.
Segue abaixo a lista dos 39 projetos, sendo que há três projetos desenvolvidos para o mesmo cliente, no mesmo terreno e no mesmo ano:
PROJETOS SELECIONADOS PARA ANÁLISE (39 projetos no total)
1-Residência Sr. Nelson Tabajara de Oliveira, à Rua das Magnólias, 490. São Paulo. 1941
2-Residência Sr. José Carlos Amaral de Oliveira, à Rua das Magnólias, 480. Cidade Jardim, São Paulo. 1941
3-Residências (2 projetos) Sr. Leo Ribeiro de Moraes à Rua Marcelina / Rua Duilio /Rua Camilo, Vila Romana, São Paulo. 1945
4-Residência Sra. Jeny Khury à Avenida Ruy Barbosa – Vila Itaipu. São Vicente. 1946
5-Residência Sr. Manoel Antonio Mendes André 1, à Rua Alves Guimarães, Pinheiros, São Paulo. Abril de 1948
6-Residência Sr. Francisco Matarazzo Sobrinho, à Avenida Lineu de Paula Machado, esq. com Rua Francisco Morato, Butantã. São Paulo. 1949
7-Residência Sr. Roberto Salmeron à Rua Rui Barbosa Esq. Av. Almirante Barroso, Campo Belo, São Paulo. 1949
8-Residência para o Sr. Amado Ferreira Mansur Gueiros, à Rua Guaraiúva, 986, Brooklin Paulista, São Paulo. 1951
9-Residência Sr. Manoel Antonio Mendes André 2 – agosto de 1951 – São Paulo. 1951
10-Residência Sr. Manoel Antonio Mendes André 3, São Paulo. (sem data)
11-Residência Sr. Chaim Goldenstein. Rua Heitor de Moraes com Rua Wanderley. Pacaembu. São Paulo. 1952/1972
12-Residência Sr. José Franco de Souza, à Av. 1, esq. com Rua 3, Lote 1, Quadra H, Jardim Vitória Régia, São Paulo. 1958
13-Residência para o Sr. Adelino Cândido Baptista, à Rua José Comparato, Cambuci, São Paulo. 1958
14-Residência Sr. Orlando Martinelli, à Rua José Comparato, S/ N. , Cambuci, São Paulo. 1958
15-Residência Sr. Hanns Victor Trostli 2, em Cachoeirinha, São Paulo. 1958
16-Residência Sr. Guilherme Bianchi Benvenuti, à Rua Manuel Maria Tourinho, Pacaembu. 1959
17-Residência Sr. José David Vicente no Bairro Nova Campinas, Campinas. 1959
18-Residência Sr. João Molina, à Av. 5 com Av. Jundiaí. Jundiaí. 1959
19-Residência Sra. Edith Leme Ianni, à Al. Jauaperi, 311, Moema. São Paulo. 1960
20-Residência Sr. Milton da Costa, São Paulo. 1961
21-Residência Sr. Henrique Villaboim Filho à Avenida dos Amariles C/ Viela - Cidade Jardim, São Paulo. 1966
22-Residência Sr. Ewaldo de Almeida Pinto, à Rua Saldanha Marinho, Brooklin. São Paulo. 1968
23-Residência (2 projetos) Sr. José Vieitas Neto à Av. Córrego do Sapateiro com Rua Dr. Esdras. São Paulo. 1968
24-Residência Sr. Elias Calil Cury, à Rua Holanda com Rua Espanha, Jardim Europa. São Paulo. 1969
25-Residência Antenor Mansur Abud. Taubaté. 1969
26-Residência Sr. Newton Bernardes à Rua Pasqual Vita, Alto de Pinheiros. São Paulo. 1969
27-Residência Sr. Waldemar Cordeiro à Rua Pombal, 415 - Sumaré. São Paulo. 1970
28-Residência Sr. Jorge Edney Atalla, à Rua 7 de Setembro, Jaú. 1971
29-Residência Sr. Marcílio Schiavon. (casa de campo). 1972
30-Residência Sr. Luiz Antonio N. Junqueira. (casa de campo). 1973
31-Residência Sr. Gilberto e Elisa Périgo, à Rua Aparecida com Rua Durvalina, Vila Mascote. São Paulo. 1974
32-Residência (2 projetos) Sr. Luiz Lúcio Izzo, à Av. Morumbi com Rua São Braulio, Jardim Leonor. São Paulo. 1974
33-Residência Sr. João Carlos Celidônio Gomes dos Reis, à Av. Waldemar Ferreira, 199 - Butantã. São Paulo. 1975
34-Residência Sr. Antônio Salim Curiati. Ruas das Zínias com Rua dos Plátanos. Morumbi. São Paulo. 1978
35-Residência Sr. José Luiz Magnani, à Rua São Ludgero, Santo Amaro. São Paulo, SP. 1981
36-Residência Dr. Elias e Dona Maná, à Rua Pedro Bruno, Butantã, São Paulo. 1981.
A maior parte dos projetos selecionados foi concebido para áreas urbanas na cidade de São Paulo, em diferentes bairros.
METODOLOGIA
Metodologicamente, a pesquisa da tese foi estruturada em oito etapas:
1- Pesquisa bibliográfica: Levantamento de textos (periódicos, livros, teses, dissertações, catálogos e artigos) correlatos ao tema desta tese. Selecionamos dois tipos de textos: escritos pelo próprio arquiteto e as publicações de seus principais críticos. O objetivo foi obter um rico e aberto referencial crítico para auxiliar na interpretação dos projetos.
Esta etapa realizou-se com base nas publicações disponíveis ao público presentes no acervo das Bibliotecas das Universidades como USP, Mackenzie, Unicamp, UFRGS, entre outras Universidades, e também nas bases de dados de bibliotecas digitais disponíveis para a comunidade acadêmica como JStor.
2- Pesquisa gráfica: Levantamento de informações e de peças gráficas relativas aos projetos selecionados contidos no acervo digital do arquiteto da Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Estes desenhos estão disponíveis em formato pdf ao público, mediante o pagamento de um valor estipulado pela biblioteca.
3- Pesquisa de campo sobre a obra construída: Visita a edifícios similares construídos pelo arquiteto, com registros fotográficos;
4- Redesenho dos projetos selecionados e criação de uma axonométrica interna. O re-desenho foi feito a partir das informações disponíveis no acervo digital da Biblioteca da FAUUSP.
Em alguns arquivos observamos que havia mais de um estudo para o mesmo projeto. Após uma análise atenta, em alguns casos optou-se pelo redesenho das diferentes opções, pois ficou claro que havia mais de um projeto para o mesmo cliente, para o mesmo terreno. Em outros casos, selecionamos o projeto que se apresentou mais desenvolvido, com clara intenção de que fosse aquele que seria levado adiante numa suposta construção.
Por se tratar de projetos que não foram construídos, muitas informações relativas ao estudo preliminar são escassas, e algumas não existem, outras não estão disponíveis ao público. Desta maneira em alguns casos houve a necessidade de interpretação da autora, prática comum e necessária entre os estudiosos das pesquisas consultadas sobre análise projetos não construídos (GALLI, M. MÜHLHOFF, C., 2000; LARSON, 2000; FOSCARI, 2010). Assim, a interpretação e o desenho de algumas elevações, por exemplo, foram realizados com base na obra construída do arquiteto.
Foram redesenhadas plantas, cortes e elevações das residências selecionadas, no programa AutoCAD e CorelDRAW, com o objetivo de produzir um material homogêneo de mesma escala e qualidade gráfica. Este procedimento não só sistematiza graficamente os desenhos, mas possibilita estabelecer relações entre os projetos.
5- Criação do modelo físico tridimensional dos projetos não construídos, para efeito de estudo das relações espaciais internas e volumetria, que na ausência da obra construída foi fundamental para a análise. As maquetes foram construídas na escala 1/100, com papel Paraná, utilizando a cortadora a laser no processo de fabricação.
6- Geração de imagens digitais a partir do modelo físico;
7- Análise gráfica. Com todos os desenhos na mesma escala iniciamos o processo de análise gráfica que tem três passos. 1º - Imprimir os desenhos feitos (plantas, cortes e elevações); 2º - Por sobreposição de papel transparente sobre as impressões, realizar estudos com desenhos no objetivo de criar diagramas de fácil leitura, tornando claro o partido de cada residência; 3º - Transferir os diagramas para o programa Corel Draw.
Esta análise gráfica dos espaços internos e da volumetria foi simultaneamente amparada pelas maquetes de estudo.
Os aspectos e elementos arquitetônicos analisados foram os seguintes: implantação e relação do projeto e a rua; acessos e perímetro, circulação e articulação dos espaços; as rampas, níveis, continuidade; estúdio; geometria, malha, modulação, cheios e vazios; pátio e pé-direito duplo.
8- Tabelas comparativas: Discussão e reflexão sobre os conceitos e características presentes nos projetos não construídos. Os critérios de comparação das tabelas estão pautados pelas relações estabelecidas entre residências não construídas e algumas residências construídas. Assim, a partir dos itens de análise acima citados, o objetivo foi identificar tipos e partidos arquitetônicos e, a partir daí estabelecer relações espaciais entre os projetos não construídos e construídos, de modo a produzir novos conhecimentos sobre as características da obra residencial de Artigas e sua linguagem.
REDESENHO DOS PROJETOS RESIDENCIAIS NÃO CONSTRUÍDOS EM SÃO PAULO DE VILANOVA ARTIGAS
Inicialmente elaboramos um mapa cronológico, contendo os projetos residenciais construídos e não construídos de Artigas no Estado de São Paulo. De maneira visual, este mapa apresenta uma linha do tempo do percurso da obra residencial de Artigas em São Paulo, facilitando a visualização das transformações, e, sobretudo estabelecendo um paralelo entre os projetos construídos e os não construídos. Por meio deste mapa pode-se também observar os períodos de muita e de pouca produção, assim como as mudanças de postura com relação ao projeto residencial.
Após este esquema cronológico, elaboramos fichas individuais de cada projeto com os redesenhos realizados a partir das informações disponíveis. São plantas, cortes, elevações, axonométricas “explodidas” e fotos externas das maquetes físicas.
O redesenho foi feito a partir das informações disponíveis desenhos originais de Vilanova Artigas presentes no acervo digital da Biblioteca da FAUUSP. Em alguns casos notamos certas distorções nas imagens digitais disponibilizadas (arquivos pdf), e, por este motivo, todos os desenhos foram realizados seguindo as dimensões indicadas nos desenhos acessados. O redesenho teve como o objetivo principal a análise atenta dos projetos, e a criação de um material uniforme para o estudo. Ademais, estas peças gráficas também serviram como base para a construção das maquetes.
Muitas dificuldades surgiram durante a realização dos redesenhos. Por se tratarem, na maioria dos casos, de estudos preliminares de projetos não construídos, a pesquisa ficou restrita às informações deixadas pelo arquiteto, como plantas, cortes, elevações e croquis. Na maioria dos casos estudados não há informações sobre materiais, sistema construtivo ou estrutura, o que nos impediu de uma análise mais profunda sobre este espectro. Há também informações ambíguas em alguns projetos. Além disso, há uma escassez de informações sobre o entorno imediato, o que nos limitou na análise sobre relação projeto/lote/rua.
Em alguns arquivos observamos que havia mais de um estudo para o mesmo projeto, como ocorre com os projetos para os clientes Léo Ribeiro de Moraes (1945), José Vieitas Neto (1968) e Luiz Lucio Izzo (1974). Após uma análise atenta, em alguns casos optou-se pelo redesenho das diferentes opções, pois pareceu claro que havia mais de uma alternativa para cada projeto para o mesmo cliente, para o mesmo terreno. Em outros casos, frente a várias proposições, selecionamos o projeto mais desenvolvido, com clara intenção de que fosse aquele que seria levado adiante numa suposta construção.
Alguns projetos apresentam desenhos preliminares com propostas relativamente mais interessantes, como é o caso da residência para Waldemar Cordeiro (1970), com um suposto estudo preliminar mostrando corte com pé-direito triplo e um rico espaço interior. No entanto, os desenhos que apresentam maior número de informações e que visivelmente foram utilizados no desenvolvimento do anteprojeto não adotaram o mesmo partido revelado pelo estudo preliminar.
O mesmo acontece com o projeto para Edith Leme Ianni (1960). Tivemos acesso a quatro pranchas deste projeto. A primeira delas apresenta um projeto com organização do programa em meios-níveis, estúdio no piso intermediário, pé-direito duplo no setor social e setor íntimo com aberturas para parte frontal do lote. Nas três últimas pranchas há um projeto com outra proposta, porém com muito mais desenhos e informações gráficas. Evidentemente, pela quantidade de informações, cortes e elevações, consideramos que este último seria o projeto que seria supostamente levado adiante numa construção, e por isso foi selecionado para análise nesta pesquisa.
No caso do projeto para a residência Henrique Villaboim Filho (1966) tivemos acesso a apenas uma prancha, com plantas, dois cortes e duas elevações. Mais adiante nos deparamos com uma proposta de projeto idêntica nas pranchas para a residência Newton Bernardes (1969). Coincidência ou não, as pranchas do projeto da residência Newton Bernardes continham o nome correto do cliente (Newton Bernardes) e pequenas alterações no lay-out da planta térreo. Além disso, uma perspectiva do projeto também é apresentada nas pranchas. Entretanto o projeto desenvolvido para Newton Bernardes visivelmente foi outro, completamente diferente, com muitos croquis e peças gráficas, que comprovam a total mudança de proposta.
Nas dezoito pranchas que tivemos acesso do projeto para a residência Antonio Salim Curiati (São Paulo, 1978) também observamos uma grande quantidade de propostas. O projeto parece ter rendido muitos estudos por parte de Artigas. Há quatro propostas distintas, algumas com poucas informações ou apenas croquis de intenções iniciais. Neste caso, seguindo a metodologia desta pesquisa, selecionamos o projeto com maior número de informações gráficas, sugerindo um suposto projeto escolhido para execução.
Nas duas pranchas do projeto para a residência José Vieitas Neto (São Paulo, 1968) encontramos dois projetos com informações igualmente apresentadas: plantas, um corte e uma elevação. Neste caso observou-se que havia, portanto, duas propostas a serem analisadas. Assim optamos por analisar os dois projetos, com partidos muito diferentes entre si.
Nas pranchas do projeto da residência Gilberto e Elisa Périgo (1974) também encontramos diferentes propostas de supostos estudos iniciais. Uma delas Artigas propõe o estúdio logo ao lado do acesso da casa. Num outro croqui de estudo o acesso da casa seria feito pela Rua Aparecida, sendo que no projeto selecionado para a análise, que consideramos mais detalhado e com maior número de informações, o acesso é feito pela Rua Durvalina.
Nos estudos para o projeto da residência Magnani (1981), observa-se a intenção de uma piscina na parte posterior do lote, atrás do estúdio. Porém, no projeto apresentado com mais detalhes esta intenção desaparece.
Num dos três projetos não construídos, elaborado para o cliente Mendes André (sem data), também observamos uma planta de estudo com proposta diferente de organização dos ambientes, onde o terraço se volta para a parte posterior do lote.
O mesmo acontece com o projeto da residência Jeny Khury (1946), que apresenta uma prancha de estudo preliminar e três pranchas de uma proposta com algumas mudanças e com maior número de informações.
Nas pranchas relativas ao projeto para Leo Ribeiro de Moraes (1945) fica claro que se refere a um loteamento pela implantação e perspectivas apresentadas. No entanto, projetos de apenas duas unidades são disponibilizados no acervo digital. Observando o desenho da implantação do loteamento, podemos ver que há outras variações de plantas, além destas duas que tivemos acesso.
Nas pranchas do projeto para residência Luis Lucio Izzo (1974) há a clara intenção de duas propostas que são estudadas pelo arquiteto, pelo número de informações apresentadas igualmente. As propostas são muito semelhantes e não há grandes alterações na organização do programa. Entretanto, uma delas com adoção de escadas e outra com uso de rampas para circulação vertical. Neste caso consideramos importante analisar ambos os projetos.
Nos arquivos do projeto da residência Chaim Goldenstein (1952-1972) encontramos três projetos diferentes para o mesmo terreno. O projeto é datado dos anos de 1952 e 1972. Neste caso, devido às características observáveis, acreditamos cada projeto foi realizado em cada um dos anos de estudo. Este fato é importante porque se verifica a transformação da linguagem nestes 20 anos, pois os projetos foram realizados no mesmo lote e para o mesmo cliente. O projeto com adoção de telhado possui similaridades com a Casa Rio Branco Paranhos (1943), situada na mesma rua do projeto da casa Goldenstein, enquanto a proposta com cobertura plana possui uma linguagem mais próxima aos projetos de Artigas da década de 1950/60.
DISCUSSÃO
Todas essas informações são importantes para esclarecer e justificar os critérios de seleção dos projetos, particularmente na presença de diferentes projetos para o mesmo cliente. São muitos projetos e inúmeras propostas a serem avaliadas. Assim, consciente de que uma pesquisa que analisa projetos não construídos trabalha com algumas inferências e interpretações, torna-se importante deixar claro o critério de seleção de uma das propostas apresentadas no acervo consultado.
Procuramos obter todas as informações necessárias para o entendimento dos projetos. Porém, por se tratar de projetos que não foram construídos, muitas informações são escassas, algumas não existem ou não estão disponíveis. Desta maneira em alguns casos houve a necessidade de interpretação da autora, como afirmamos anteriormente, prática comum e necessária entre os estudiosos das pesquisas consultadas sobre análise projetos não construídos, como na pesquisa sobre Giuseppe Terragni realizada por Mirko Galli e Claudia Mühlhoff (2000), sobre Louis Kahn realizada por Kent Larson (2000) e sobre Andrea Palladio realizada por Antonio Foscari (2010). Para o desenho de algumas elevações, por exemplo, nos baseamos na atenta análise e observação da obra construída do arquiteto. Neste sentido o estudo da obra construída, por meio de teses, dissertações, livros, fotografias e visitas, foi um fator significativo. Nestes casos há a indicação “interpretação da autora” nas fichas gráficas de redesenhos.
O redesenho é parte importante da metodologia e se apresenta como etapa de análise, uma vez que se necessita de uma atenta observação dos projetos e interpretação de informações inexistentes.
Optamos por escolher uma escala única de representação para todos os projetos, no objetivo de se ter um material uniforme que possibilite estabelecer relações e na medida do possível apresentar as peças gráficas dos projetos numa folha A4. A escolha da escala 1/400 se deveu especialmente por ser uma escala que proporciona bom entendimento das proporções dos projetos selecionados. A quantidade de informações referentes aos projetos também condicionou a escolha desta escala, uma vez que muitos projetos não apresentam informações suficientes para representação ampliada em escalas 1/200 ou 1/100. Todas as peças gráficas em escala acompanham uma escala gráfica junto ao título.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de fontes primárias advindas do Acervo Digital da Biblioteca da FAUUSP pudemos desenvolver esta pesquisa, que dentre as inúmeras interpretações e possibilidades de análise, esta tese apresentou uma abordagem própria, cuja matéria-prima é a rica e densa obra de João Vilanova Artigas. A extensão do material gráfico produzido nesta pesquisa não se encerra nesta interpretação, o que revela a riqueza do método analítico adotado.
Após a conclusão da tese, pode-se afirmar que, diante dos resultados obtidos, a interpretação dos projetos obteve êxito, pois foi possível identificar e decodificar, nos desenhos, as informações necessárias para o seu redesenho e a devida interpretação de cada projeto. Tanto o material gráfico na mesma escala, como as maquetes físicas, contribuíram, de modo decisivo, para a correta relação estabelecida entre os projetos. Enquanto o redesenho permitiu a interpretação de cada projeto, a elaboração da maquete proporcionou a interpretação do espaço interno e dos traços mais marcantes de cada projeto.
À luz dos projetos não construídos analisados nesta pesquisa, procuramos investigar o percurso da obra residencial de Artigas, de modo a revelar e construir novos conhecimentos sobre as transformações e características ocorridas em sua obra.
Por meio da realização desta pesquisa pudemos comprovar algumas hipóteses levantadas no início, e também durante o desenvolvimento da pesquisa. Destacamos que o estudo do conjunto dos projetos não construídos, disponíveis no Acervo Digital da Biblioteca da FAUUSP, contribuiu para um melhor entendimento e compreensão da obra arquitetônica residencial de Vilanova Artigas em São Paulo. Além disso, a pesquisa também comprovou que a metodologia adotada na análise dos projetos não construídos, a partir dos desenhos disponíveis no Acervo Digital da Biblioteca da FAUUSP, com o uso de desenhos e maquetes físicas, foi fundamental para o estudo e a compreensão destes projetos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Acervo Digital da Biblioteca da FAUUSP – Projetos de Vilanova Artigas
FOSCARI, Antonio. Andrea Palladio. Unbuilt Venice. Baden: Lars Muller Publishers, 2010.
GALLI, Mirko. MÜHLHOFF, Claudia. Virtual Terragni. CAAD In Historical and Critical Research. Basel, Boston, Berlin: Birhäuser, 2000.
LARSON, Kent. Louis I. Kahn. Unbuilt Masterworks. New York: The Monacelli Press, 2000.
TAGLIARI, Ana. Os projetos residenciais não construídos de Vilanova Artigas em São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2012.
TAGLIARI, Ana; PERRONE, Rafael; FLORIO, Wilson. Vilanova Artigas. Projetos residenciais não construídos. São Paulo: Annablume Editora, 2017.
YURGEL, Marlene. Laboratório de informatização de acervo (LabArq). Pós. Revista do programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da FAUUSP. Junho de 2008.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq pelo apoio à pesquisa.
Auxílio financeiro (CNPq).
AUTORA
Ana Tagliari Unicamp, DAC. Docente do CAU FEC e PPGATC. Doutora em Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP, 2012), Mestre (IA Unicamp, 2008) e Arquiteta e Urbanista (FAU Mackenzie, 2002).
COMO CITAR:
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